09 março 2009

Zero

Um acto de fé
depositado numa seringa
larga de ponta cónica
por onde Deus passa a estilhaçar-se
chorando e comovido,
enfermo,
como um curativo de infecções
sem constatar
que ele era a ferida
que só poderia conter-se
ou suturar-se
que não tinha cura
muito menos crosta
ainda que não o aceitasse
ia sangrando a sua imensidade
fluía como a pus
causava-lhe dôr
sem poder restractar-se
suava como uma febre
Um acto de sobreviviência
abandonado no estrume
verde pestilento
cagado depois de um pequeno suspiro
onde Deus se recicla
regressa à Terra
tranquilo aguarda o sol
esquecendo a suas velhas dôres
sabe que foi uma contracção
a que abriu a realidade
que do ventre de alguém
se desatou
e foi mas que um alívio
pari-lo
senti-lo entre um vendaval e uma tormenta
a sua cabeça
a suas duas pernas
acomodando-se para que
ficasse sentado
diante da sua poderosa ambição
o mundo
diante da sua terrivel imagem
o homem
diante do seu injusto jogo
a vida
diante de um destino quebrado
o amor.

11 fevereiro 2009

Cânticos

I

Neófito,
A quem olhaste, quando, pela primeira vez, se abriram os teus olhos?
O deserto, a primeira coisa. O deserto foi a primeira coisa que tocou os teus olhos.
Néofito ! Sobre o que caminhas?
Quem te fornece a fome da qual extrais a voz dos anjos?
Quem é o teu pai?
O deserto.
E se o vendaval da noite rasga a areia
E, a areia engole o Sol no seu abraço incandescente
No seu oceano de gelo
Tu és o seu filho.


II

E neófito,
É na pedra que encontrarás exemplo,
Ela não cresce, não pode ser comida,
Nem mesmo bebida
Ela nada pede,
A pedra é perfeita
Como as coisas sozinhas podem ser perfeitas.


III

Meu neófito,
Consegues ver o cantil?
E agora o meu turbante?
O cantil não é um turbante
E nem o turbante procura ser cantil,
No mundo, cada coisa é o seu objecto.
Mas tu, tu pertences ao Anjo
E no mundo disfarçarás o cantil, o turbante,
O assassino, o curandeiro,
E todas as coisas roubadas.
Por isso, sempre que o Sol Nasce,
Deves subir a duna e sauda-lo
Porque o Sol se mascara de tudo o que a luz
Atinge, e não se divide.
Dorme então e sonha
A multiplicidade das formas,
Mas quando o beijo frio da Noite
Tocar a terra, vigía
E alimenta-te do silêncio da morte,
Só assim permanecerás no Mundo.


IV

E só, neófito,
Quando o cabelo prateado
Com que vieste à bruma
Se tornar fraco e quebradiço,
E o teu riso poderoso
Como o fim do uni-verso
E souberes de cor
Os segredos do vento
Deverás tu ensinar
Os filhos dos homens
E devorar os seus vícios
Na boca do deserto.

Mad Marx na Capital*

Chegamos ao futuro! The Future is now!
O terreiro voltou a ser terreiro
Com toda a areia importada do Saara.
Dos Pêlos do nariz da imitação do Pai Natal
A ciência clonou o último dos heróis
Que algures vagueia pela Capital.

Este Cristo flagelado, que tantos ódios despertou,
Deixou crescer a barba em memória
Do seu original e habita as ruínas do Carmo.
De amores pela tia, vencedora do último Turner,
Decidiu, á falta de capital, escrever o Capital, na capital.

Resultado: edições esgotadas e Capital só pra alguns!
Colóquios e pseudo-congressos ei-lo ressuscitado!

E serei eu MadMarxiliano? Talvez, desde que ao som de:
…WE DON’T NEED ANOTHER HERO!...

Heróis há muitos seus palermas!!!

(10.2008)

* União de Mad Max com Karl Marx. «Mad»=tolo, louco, doido, maluco. lol

Toxinas

Acordei hoje com as toxinas do mal
Todas concentradas no meu coração.
Com dificuldade respiro e nos meus
Olhos, vermelhos, a tua imagem jaz
Embaciada pelo pensamento que ontem
Me levou àquele espaço escuro e caótico
Onde as sombras e a morte trespassam
Todas as pequenas ilusões.

Concentradas num espaço mínimo
Sinto-as! tão apertadas, tão presentes
Que todo a meu desejo de ter-te
Aumentou como se das tuas mãos
Florice o ar que respiro, que a todo
O momento me fere os sentidos.
Respiro lentamente sentindo dolorosamente
Cada entrada de ar, cada sorriso perdido

As toxinas da dor concentram-se no meu
Peito e dele não procuram sair. Toxinas!

O Perfume

De Rosas, magnólias e lírios estou eu farto
Perfumes suaves e suaves imagens…

Aprendi com Sade e Bataille
A amar o Ordinário, o Cabrão e o Travesti
A amar a Cabra, a Vaca, e a Puta
Enjoa-me cada vez mais falsos moralismos

Trazei-me o Humano Corpo hirto
Ao corpo desse poema em toda a sua essência física
Com todas as imperfeições
Grandes narizes, caras desfiguradas, pêlos em todos os poros
Todos os odores pestilentos e líquidos viscosos…

E repartirei por vós o meu esperma azedo!

To Lord Elgin

Mutilador de Memórias
que preservaste a força de Fídias
hoje é o dia em que os
poetas digitais devoram o teu nome

...e recuperam das ruínas gregas a tua dignidade...

***

Tentei devolver todo o leite materno
a minha mãe mas não consegui
tentei vomitá-lo e espalha-lo
em paredes de Cimento
Tentei em vão retribuir
todos os olhares atentos
...Tentei mas não consegui

***

Lord qual das crinas de cavalo
tocaste com teus dedos poeirentos
que pés de cavalos os cascos
eram os teus
que cabelos de amantes desejaste
o corpo nu estendido do teu pajem
as mãos suaves do teu superior

Lord a boca de cavalo que relincha
relincha em teu nome

Condenável acção de retirar do berço
a ferros o filho de Atenas
mas Restituires ao Homem unniversal
a glória do belo em Platão.

(London 2.2.09)

Ao Zarolha

Malvada alma que me partiste Todo
tão grande é a dor no meu Pescoço
Tal chupão nele o deixaste

Recorda-me eternamente o tesão do teu ânus
que vagorosamente suspirava
Tal era a tua fome.

Malvada Alma que me mentiste
Tão grande o desejo de te bater
Pessoa como tu
era rechear-te
e Cozer-te o cu.

Malvada Alma que ao mar marinheiros
seduziste
Malvada